Oct 15, 2007

Mãe,

Lendo uma revista ontem, uma articulista descrevia com perfeição, o que eu sempre quis escrever sobre você e sempre me carecia palavras, e não há dia melhor, para te contar tudo que li sobre você pelas palavras que ela roubou de mim.

“Todos são tão compreensivos, aceitam tão bem suas escolhas, torcem por tudo o que você faz, não é mesmo? Desde que você faça o que está no script. Que siga o que foi determinado no roteiro, aquele que foi escrito sabe-se lá por quem e homologado no instante em que você nasceu. Mas e quem não quer seguir este script?
(...)
Encontrei no conto “Amor” do livro “Laços de Família” de Clarisse Lispector, umas de minhas frases prediletas. Assim ela descreve o sentimento da personagem Ana: “Seu coração enchera-se com a pior vontade de viver.”
Ela é complexa, angustiante, subjetiva e intensa. Ela “a pior vontade de viver”. A que não está disposta a negociar com a vontade dos outros.
No entanto, esta que foi chamada de a “pior” vontade pode ser também uma vontade genuína e inocente. É a vontade da criança que ainda levamos dentro, entranhada. É desejo de açúcar, de traquinagem, de fazer algo escondido, de quebrar algumas regras, de imitar os adultos. A “pior” vontade é curiosa, quer observar pelo buraco da fechadura e depois, mais ousadamente, abrir a porta e entrar no quarto proibido. A “pior” vontade é de não se enraizar, não assinar contrato de exclusividade, não firmar compromissos, não se render às vontades fixas, apenas as vontades momentâneas, porque as fixas correm riscos de serem vontade para se transformarem em vaidade – como se sabe, há sempre aqueles que se envaidecem da própria persistência.
A “pior” vontade não quer ganhar medalha de honra ao mérito, não quer posar para fotografias, não quer completar bodas de ouro nem ser jubilada. A pior “vontade” não faz a menor questão de ser percebida, ela quer ser realizada. É quando você sabe que não deveria, mas vai. Sabe que não será fácil, mas enfrenta. Sabe que tomarão como agressão, mas arrisca. Aqui, cabe lembrar: apenas se sentem agressivos aqueles que te invejam.
A vontade oficial, a santinha, a que não causa incomodo, é a outra, a aprovada pela sociedade, a que não leva em conta o que vai no seu íntimo, e sim, a opinião pública. É a vontade que todos nós, de certa forma, temos de mostrar para os outros que somos felizes, sem saber que para conseguir isso é preciso, antes, ter a “pior” vontade, aquela que faz você descobrir que ser feliz é ter consciência do efêmero, é saber-se capaz de agarrar o instante, é lidar bem com o que não é definitivo – ou seja, tudo.
É com esta “pior” vontade de viver que você atrai os outros, que seu magnetismo cresce, que seu rosto rejuvenesce e que você fica mais interessante. É uma pena que nem todos tenham a sorte de deixar vir à tona esta que Clarisse Lispector chamou de “a pior vontade de viver”, e que, secretamente, é a melhor.”
Martha Medeiro – Revista O Globo

Te amo assim, desse exatinho jeito que você é!

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