Oct 18, 2007

4 anos e muitos caroços pra contar.

Sábado estive no LARAM, um lar para menores desprovidos de cuidado, carinho, educação e saúde. Fui fazer uma festinha do dia das crianças com minha cunhada e suas colegas. Organizamos tudo, cachorro quente, bexiga, algodão doce, pipoca, lembrançinha, bolo, palhaço e brinquedo de 1,99 pra tooooodo mundo. Não sou muito adepta a essas festas, encaro como uma grande hipocrisia, não das crianças, claro, nossa mesmo, de só lembrar delas, nessas datas comerciais. Afinal, apresentar-se apenas em datas especiais, é confundir a cabeça de uma criança, pelo menos é o que eu acho. As acostumamos a consumirem em datas comemorativas, e as fazemos entender, que elas só merecem aquilo, quando alguma turminha bem intencionada ou uma ONG resolve oferecer. Não quando elas querem ou faz jus de fato. Mas, isso dá muito pano pra manga e não é porque não ajudo ninguém com algo realmente significativo, que vou me condenar por uma simples festinha, já que no final, foram muitos sorrisos que vi.
Nesta festinha que aconteceu neste último sábado, fiquei chocada com o descaso da mãe de um garoto em especial (com minha memória fraca, não consigo recordar-me do nome dele), mas ficamos grudadinhos a festa inteira. Uma pele morena, um corpo magrinho, elástico, que era capaz de ficar de cabeça pra baixo em apenas dois segundos, uma perna cheia de feridas que mostravam que, algo dentro dele não andava tão bem. São apenas 4 anos de existência e muitas marcas pra apontar. Mas o que me chocou, foi enquanto deitado no meu colo em busca de um cafuné, ele deixava a amostra alguns caroços pretos na mão e no pé. Era algo horripilante, coisa de doença vinda dos mais pobres países do continente africano. Eu sentia uma mistura de tristeza e revolta. Eram apenas 4 anos e uns 15 caroços pra contar. Questionei sobre aquilo e a resposta que tive foi “é de poico tia, or méninu tudo tem”, traduzindo, aquele caroço preto era um bicho transmitido pelo porco, e a criançada da favela estava cheia daquilo. Questionei a professora sobre, e a reposta que tive foi: “cuidado, isso pega!” Eu não sabia o que fazer, minha vontade era levá-lo ao hospital, levá-lo pra mim. Dar banho, comida e cuidado. Mas não é assim, disto eu sabia. Eu fiquei em transe, não sabia se abraçava, se pegava, se encostava, se beijava. Eu não sabia o que fazer. E ele sempre lá, querendo me tocar. Eu só pensava: Eu tenho que acreditar que isso não pega. Mesmo tão pequenino ele sentiu meu distanciamento, e eu, horrivelmente culpada por aquilo, não hesitei em dar um abraço e um foda-se pra minha vaidade.
No final, com seu carrinho na mão e um sorriso, se despediu rapidamente. A empolgação de contar pra avó o que viu, era maior e mais importante do que eu ali, obviamente.
Conversei com sua avó sobre os bichinhos, questionei e fiquei aliviada por saber que ela agora cuidava do seu netinho, justamente pelo descuidado da mãe. Ela me confirmou a peste. Fotografei sua mão e pezinho e vou entregar a ampliação pra turma de enfermagem da faculdade. Quem sabe, eles fazem um trabalho mais absolutamente funcional e importante do que o meu.

1 comment:

  1. Anonymous21/2/08

    Em 1º lugar: Estou morendo de saudade, vc foi embora, mas continua morando no meu coração.
    Em 2º lugar: essa tua historia me comoveu demais, saber q existem mães que só tem o trabalho de por o filho no mundo e vão embora abandonados. Quando passo pelas ruas e vejo crianças descalças, cheias de feridas, com fome e seminuas, tenho vontade de chorar, gritar. Muitas vezes pergunto pela mãe e muitos não sabem. Meu Deus será que essas mulheres não sabem como é bom dormir sentindo o cheiro da cria,ouvir a palavra mamãe, e receber um beijo por nada.
    Sei q muitas delas foram vitimas também, mas bem que poderiam quebrar esse circulo vicioso e criar vários outros formatos, como um de coração.

    ReplyDelete

Fala aê!